Sonhos grandes

Destaques da conferência que nos ajudou a visualizar o futuro do Brasil

Julia Wu
6 min readApr 17, 2017
Créditos: Brazil Conference

A Brazil Conference é uma conferência anual de dois dias organizada por estudantes brasileiros, realizada em Harvard e no MIT, cujo objetivo é estabelecer um diálogo sobre temas tais como economia, política, empreendedorismo e tecnologia no Brasil. A conferência reúne executivos, estudantes, governantes e alguns dos nomes mais conhecidos no Brasil e no mundo — é como uma versão brasileira do World Economic Forum.

Em novembro de 2016, ouvi falar sobre a HackBrazil, um hackathon de um mês de duração organizado pela Brazil Conference. Justamente nesta época, estava considerando projetos que podia desenvolver para o Brasil. Quando descobri que eu era uma das vinte finalistas do hackathon, eu passei as férias de fim de ano planejando e desenvolvendo o meu projeto. Assim que eu fiquei sabendo do conteúdo da conferência, não tive dúvidas de que este seria um dos eventos mais marcantes de 2017 para mim. Queria compartilhar alguns dos destaques do fim de semana passado.

Uma visão geral

Ao longo de um final de semana, Warren Buffett, Jorge Paulo Lemann, Kaká, Dilma Rousseff, Larry Summers, Sérgio Moro, Nizan Guanaes e muitos outros estiveram reunidos em uma conferência dirigida por estudantes para falar sobre o Brasil. Nunca havia visto uma conferência igual, o que diz muito sobre o nível de empenho que está sendo dedicado para o Brasil.

“O Brasil está passando por uma crise de auto-estima” — esse foi um dos comentários mais notáveis da conferência, na minha opinião. Um dos palestrantes disse que nós somos “craques” no que tange a consciência e discussão de nossos próprios problemas. O nosso país precisa melhorar o nível de autoconfiança e destolerância para falhas e riscos. Recentemente, percebi que tanto o Brasil como a China (minha outra pátria) são muito críticos de suas falhas. Mas aqui nos EUA, os conselhos mais comuns são “falhe rápido” e “corra riscos”. Ademais, muitos visionários de nossa época — Steve Jobs, Elon Musk, Richard Branson — parecem ter obstinação e fé extraordinária em seus empreendimentos. Faz sentido — não se vai longe com baixa autoestima.

Investimentos no Brasil

Houve bastante otimismo sobre o return on equity dos investimentos no Brasil durante um painel com Daniel Levites, Financial Services Principal na EY, Roderick Greenlees, Global Head of Investment Banking no Itaú e outros líderes da indústria. Há grandes oportunidades de investimento e crescimento no Brasil — muitas vezes, o retorno é maior do que investimentos nos EUA — mas a burocracia é um obstáculo significativo. Ao que tudo indica, a demora é de cerca de cem dias para a criação de uma empresa no Brasil. Um dos fatores que mais preocupam os investidores do exterior é a corrupção,o que apenas reforça a importância da Lava Jato. Nizan Guanaes também disse que a Lava Jato é um “asset” para o Brasil. Além de provar que estamos melhorando a situação política nacional, também precisamos fortalecer a governança corporativa em empresas e organizações brasileiras.

Uma participante perguntou para o painel como os estudantes ou profissionais que vivem fora do Brasil poderiam ajudar a atrair mais investimentos no Brasil. Um dos palestrantes enfatizou a importância de ter orgulho e confiança no Brasil, e de disseminar a consciência sobre o nosso país no exterior.

Política

A Brazil Conference contou com a presença da ex-presidente Dilma Rousseff e do juiz federal Sérgio Moro. Moro também expressou otimismo quanto ao futuro do Brasil, e disse que é preocupante que brasileiros deixem o país por achar que “o Brasil que não tem jeito” — que “a melhor saída para o Brasil é o aeroporto”.

Dois dias após a Brazil Conference, Dilma veio palestrar na Brown University, onde afirmou ter aprendido muito sobre o diálogo do fim de semana anterior. Tanto na Brazil Conference como em Brown, ela alegou ter passado por dois golpes ao longo de sua vida, um durante a ditadura militar e o outro durante o seu segundo mandato — o impeachment. Além de afirmar que seu impeachment foi planejado, ela pediu que a audiência reconhecesse a presença da corrupção também nas empresas e na população. Ela comentou que talvez o maior evento de corrupção dos últimos anos tenha sido a crise do subprime em 2008.

Ao responder à minha pergunta (na Brown), que inquiria o que ela tinha para dizer aos jovens brasileiros no exterior que estão desanimados com o Brasil e consideram permanecer no exterior, ela disse que existe uma responsabilidade de contribuir para o Brasil — especialmente se os recursos do país ajudaram o estudante a chegar onde ele está. Ela alegou que o Ciências Sem Fronteiras foi um dos projetos do qual ela mais se orgulha, e que é uma pena que ele está sendo revisado. Falou também bastante a respeito da democracia, da redução da pobreza e da importância de combater a corrupção. Quando perguntaram sobre o sistema de partidos políticos de mais de 25 partidos no Brasil versus o sistema de 2 partidos nos EUA, ela comentou que “mais de 25 é desnecessário, mas também não precisa ser 2.”

Durante o Brazil Conference, Larry Summers e Armínio Fraga compartilharam a fé no futuro do Brasil, especialmente ao testemunharem o sucesso da conferência. Fraga incentivou-nos a permanecer engajados com a política.

A minha principal aprendizagem no que tange a corrupção e o estado da política no Brasil é que a mudança nesta área deve acontecer de baixo para cima. Trata-se de uma iniciativa coletiva que exige compromisso pessoal.

Tecnologia

O painel de high tech no Brasil foi provavelmente aquele que eu mais antecipei. Durante este painel, eu sentei ao lado do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad. Atualmente, ele passa a maior parte do tempo lecionando, mas ainda assim mostrou-se curioso quanto ao desenvolvimento do Fab Lab (oficinas de fabricação digital) do professor Neil Gershenfeld, (MIT) em São Paulo.

“O MIT é um espaço seguro para pessoas esquisitas, ” disse professor Gershenfeld, sugerindo a importância da criação de comunidades e espaços para os “nerds” na forma de hackerspaces, meetups, workshops e hackathons. O Brasil tem um número crescente de desenvolvedores e estudantes de engenharia cujos interesses precisam ser apoiados para que a tecnologia e inovação possam crescer em nosso país.

Victor Lazarte, um empreendedor e desenvolvedor de jogos, levantou a questão de que muitos brasileiros, ao invés de pensarem a nível global, focam somente no seu próprio país. Se queremos que a nossa inovação esteja à altura de, digamos, Israel, os brasileiros precisam pensar maior na hora de aplicarem suas habilidades.

O HackBrazil foi, na minha opinião, é uma iniciativa brilhante. O hackathon acredita que nós temos a mentalidade de “hackers” no quesito de criatividade, e incentivou desenvolvedores brasileiros em casa e no exterior a construir soluções de software e hardware que enfoquem nos problemas do país. O HackBrazil deu abertura para que vários jovens brasileiros, alguns dos quais nunca haviam estado fora do país, apresentassem seus projetos no MIT, frente a grandes líderes e investidores. Uma das equipes criou uma “chupeta conectada” que mede a temperatura de uma criança para ajudar a reduzir a mortalidade infantil. Outra equipe usava big data para reduzir o desperdício de água.

Como estudante de ciência da computação que conheceu muitos talentos brasileiros na área de tecnologia no Brasil, na faculdade e nos meus estágios nos EUA, não tenho dúvida sobre o potencial tecnológico existente no meu país. Mas precisamos abastecê-lo muito mais.

Rumo ao futuro fantástico

Créditos: Brazil Conference

No último talk do dia, Warren Buffett comentou que os países envolvidos no comércio sempre se deram melhor. A sua conversa com Jorge Paulo Lemann revelou muita esperança no futuro — especialmente no futuro que se encontra nas mãos dos jovens brasileiros que estavam presentes.

Não acho improvável que um dos futuros presidentes do Brasil possa ter participado da Brazil Conference, e que havia jovens “hackers” no evento que poderiam ter formado uma “máfia do Paypal” brasileira capaz de impressionar o Vale do Silício.

Existe uma frase em inglês, “the world is my oyster” — o mundo é a minha ostra. Com sonhos grandes, execução implacável, auto-consciência e orgulho do Brasil, o mundo não seria apenas a nossa ostra, mas também nosso pão de queijo, nosso açaí, nossa água de coco.

Obrigada, Gabriela Naigeborin, pela ajuda na revisão.

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